segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Amsterdã - as habitações do séc. XX





            Amsterdã, a cidade do Rio Amstel e dos canais, nasceu como um assentamento de pescadores no final do século XII.  O que lhe estruturou o território, dando-lhe o tão peculiar desenho, foram justamente os elementos naturais – rio e terras baixas – e as formas encontradas pelo homem e sua tecnologia – os canais e os diques – para viabilizar a utilização de terras com cota inferior à do nível do mar.
A antiga zona portuária – que caracterizou Amsterdã como cidade comercial de importância na Holanda – corresponde ao que hoje é a principal via do centro da cidade – a DAMRAK e sua praça DAM -  situadas bem no eixo da Estação Central. A ligação entre este porto de água doce e o primeiro dique dava-se mediante ruas estreitas e sinuosas, estruturas de um parcelamento muito irregular: estas vias deveriam ser maximizadas no que se refere a seu aproveitamento, dadas as dificuldades de construção (sobre os diques, acompanhando os canais), surgindo, assim, um  parcelamento de lotes estreitos e compridos, o que acabou por viabilizar o acesso de um maior número de casas às ruas e à infra-estrutura. Lotes de pouca frente também otimizaram a solução da geminação das edificações. 
De alta densidade e significativa compactação física, o conjunto de casas construídas, gerou espaços lineares que constituíram um tecido urbano heterogêneo. Vielas, becos, ruas, canais: praticamente todas as superfícies não edificadas constituíram espaços públicos, visto que as áreas livres intersticiais do interior da quadra eram de dimensões muito restritas.
O apogeu econômico de Amsterdã terminou ao redor de 1700. Depois de um período de estagnação e de uma seqüência de guerras, uma série de intervenções foram realizadas, isto já em meados do século XIX: foram construídas a linha de ferro até o porto –1839 - e a Estação Central – 1889, além de teatros, museus e hotéis .  Houve o desenvolvimento do comércio e da indústria. O capitalismo moderno implementa-se, na Holanda,  por volta de 1870 e Amsterdã chega a ter, neste período, 500.000 habitantes.
Os anos posteriores a 1870 também foram marcados pelo surgimento de novos bairros de trabalhadores, situados além do Singelgracht (o último dos canais concêntricos). A cidade necessitava de trabalhadores e os trabalhadores precisavam de casas. A qualidade das edificações e da vida não era, entretanto, prioridade. 
Pouca era a oferta de habitação aos trabalhadores que vinham do campo para a cidade e as condições habitacionais anteriores a 1900  podem ser conhecidas a partir do trabalho de GRINBERG(1982),  que as elencou cuidadosamente, caracterizando sua precariedade, além de destacar as primeiras manifestações do que viria a ser a política habitacional da Holanda  a partir de 1902 e algumas das organizações espaciais que viriam a ser redesenhadas em outros momentos.
Uma grande epidemia, no final de 1840, colocou a questão das precárias condições de moradia da grande maioria da população trabalhadora como estando diretamente associada à saúde pública. 
O Ato Habitacional foi introduzido na Segunda Câmara em 1899, em 1901 foi aprovado e começou a vigorar em 1° de Agosto de 1902. A partir do Housing Act, a habitação de interesse social não será mais produzida, no montante em que vinha sendo, pelo mercado especulativo: a lei autoriza a Coroa  a reconhecer Associações de Construção que, através das municipalidades reforçadas e autônomas, receberiam recursos subvencionados do Estado. 
Outro aspecto fundamental do Ato foi o que regulamentou o planejamento das cidades com mais de 10.000 habitantes e/ou com crescimento populacional de 20% nos 5 anos anteriores ao plano. O Housing Act é considerado até hoje, por alguns dos estudiosos da arquitetura habitacional holandesa, como um dos mais completos instrumentos de política urbana e habitacional, dado que seu alcance sempre foi muito maior que  o de viabilizar políticas quantitativamente satisfatórias às demandas:  representou um instrumento no sentido de uma melhor distribuição de renda (com as desapropriações de interesse social e as políticas de subsídio), além de viabilizar o acesso mais democrático ao espaço urbano com qualidade.

Vista aérea de Amsterdã atualmente
        O primeiro Plano para Amsterdã Sul - Plan Zuid -, de expansão da cidade,  foi concebido por H. P. Berlage em 1904 e aprovado pelo Conselho Municipal em Janeiro de 1905.
Dificuldades para a efetiva realização do plano passavam pelo fato  dele implicar em um programa de extensa desapropriação,  em haver, na área, uma zona industrial e por  incluir trechos que não pertenciam aos limites administrativos do poder municipal.
A não implementação do plano levou Berlage a  revê-lo, dez anos depois,  e alterá-lo conforme as recomendações feitas pelo  Housing Act : em 1915 ele apresentou uma versão totalmente nova, que foi aprovada dois anos depois.
A idéia de fragmentos, com as pequenas unidades de vizinhança e as ruas curvas que apareciam no plano anterior, foram substituídas por eixos retilíneos e longos, marcados por formas mais regulares, marcados, em alguns momentos, pela simetria. 
                Em Amsterdã Sul,  duas seqüências de grandes vias traçadas no sentido leste-oeste - ligam o rio Amstel ao Estádio. As demais vias do bairro Rivieren, dada a forma como estão desenhadas e alinhadas, representam uma gradação na hierarquia que vai das locais às de maior fluxo. Há ruas que não chegam na principal e que, por isso, são mais residenciais e tranquilas. Têm um aspecto homogêneo, obtido pela paisagem configurada pelas edificações dispostas perimetralmente nas quadras fechadas. 
Aqui, mais uma vez, as unidades térreas desfrutam de um jardim privado e as dos pavimentos superiores, dos balcões, voltados ao interior da quadra.
As proposições estéticas da Escola de Amsterdã associadas às determinações urbanísticas determinadas pelo Housing Act resultaram no que Bruno Taut descreveu como a mais importante contribuição holandesa à arquitetura moderna:

“Embora muitos dos detalhes destas construções sejam arbitrários, o milagre, na verdade, aconteceu, isto é, a criação de uma arquitetura coletiva na qual não é mais a casa individual que tem uma importância especial, e sim a coletiva reunião de uma série de ruas numa unidade compreensiva, ainda que séries semelhantes tenham sido trabalhadas por diferentes
arquitetos” . (CASCIATO citando Bruno Taut – pp. 23 - 24).

Esta idéia de conjunto deve ser ressaltada: através do Ato Habitacional, associado ao Ato de Saúde Pública (que monitorava a qualidade higiênica das novas casas) e ao Código de Edificações de Amsterdã (de 1905) foram fixadas várias regulamentações restritivas. Entre elas, a de que as fachadas apresentassem aspectos diferentes, de acordo com o ritmo das escadas que deviam ser locadas na frente , sendo o número  de unidades habitacionais, atendidas por cada escada, o  menor possível. Isto fez resultar muitas circulações verticais e portas na elevação da rua.
A realização desta idéia pode ser observada, entre outros locais da cidade, no trecho inicial (e nobre) do plano de Berlage para Amsterdã Sul: junto ao rio Amstel, tendo a via Vrijheidslaan como eixo central, foram implantados uma série de edifícios residenciais (para a classe média) perimetrais, com pátios fechados contendo jardins.

Residências na beira dos canais
                                                
“Em janeiro de 1921 a municipalidade de Watergraafsmeer  tornou-se um distrito de
Amsterdã e possibilitou a expansão da cidade para o setor leste” . (CASCIATO, 1996, p.209).

O diretor do Departamento de Habitação de Amsterdã Arie Keppler via, no desenvolvimento de projetos para esta nova área, a possibilidade de implementar idéias preconizadas pelo modelo de cidade-jardim. Ou seja, conforme GRINBERG (1982) pode-se dizer que a idéia das garden cities na Holanda apareceu frente a situacões de planejamento e construção de extensões da cidade. 
Em Betondorp, associadas a um traçado composto por quatro ruas diagonais que confluem para um centro, formando uma praça, estavam as edificações, construídas em concreto : 900 unidades habitacionais. Junto à praça central foram implantados edifícios de uso coletivo, lojas e moradia para idosos.
Todas as casas têm seus jardins posteriores e os pátios internos podem ser acessados pela rua. 
Ao novo correspondia o que era universal e o que poderia caracterizar uma nova cidade de um tempo atual onde, a moradia dos trabalhadores assumiria o grande papel de representação de uma sociedade mais justa e a espacialização desta idéia  distanciava-se da proposta de subúrbio e de afastamento dos centros a que se filia a concepção das cidades jardins.
 A partir dos anos 30 a influência das discussões dos CIAM tornou-se mais significativa na Holanda. Conforme KIRSCHENMANN (1985) aumentam-se as densidades, nas zonas residenciais não ocorrem mais as interelações essenciais que geram a cidade, a função das ruas reduz-se a dar acesso a superfícies edificadas e hierarquizadas segundo o tráfego, as disposições de tipos padronizados de habitação, voltadas ao sol, convertem-se, agora, nas categorias do urbanismo. O espaço da rua está eliminado e o espaço da paisagem se fundirá através das ruas com as zonas verdes. Uma paisagem verde, um parque. Não há valorização dos elementos da morfologia da cidade tradicional, através de, por exemplo, uma configuração particular das esquinas. 
 A divisão entre frente (rua) e fundos (jardim e pátio) é substituída por frente (jardim) e  fundos (entrada e quartos). A edificação livre e o fluxo do espaço convertem-se nos elementos de ocupação e expansão da cidade.
Vale dizer que boa parte das habitações existentes na Holanda (44% delas) são edificadas até 1965 (entre 1946 e 1965).
Logo após o fim da Segunda Guerra, foi criado o Ministério de Obras Públicas e Reconstrução que ficou responsável pela reconstrução das fontes de riqueza públicas, pela reparação provisória das  habitações existentes e pela construção de novas. Até 1954 estava realizada a maior parte dos 250 projetos de reconstrução. Entretanto, já na década de 50, foi formulada uma crítica basicamente à idéia de que a cidade tradicional, com sua morfologia característica,  seria inadequada aos novos tempos e que,  por isso, teria que ser radicalmente alterada no que ela tinha de mais estruturador: a relação entre as quadras, a implantação dos edifícios nelas e as  ruas, a complexidade e vitalidade das funções simultâneas num mesmo espaço e a diferenciação precisa entre espaço público, coletivo e privado, entre outros fatores.

        Entre 1962 e 1973, a 8Km do centro de Amsterdã foi implantado um conjunto para 100.000 habitantes. Até meados do presente século, as expansões haviam se situado concentricamente ao redor do centro urbano formando densos cinturões de edifícios com pequenos parques urbanos. 
O projeto de Bijlmermeer, extenso distrito residencial foi implantado em área distante e em campo aberto.
A escala não é mais a da quadra conhecida: o hexágono que estrutura a trama dos edifícios de 10 pavimentos tem 750m de extensão. As galerias mais de 600m. Ao nível do solo acontecem as zonas verdes, os caminhos de pedestres e de bicicletas. As vias principais de automóveis são elevadas.
Aqui, como no bairro descrito anteriormente, a rua e a edificação residencial (elementos do urbanismo histórico condicionados mutuamente) tornam-se independentes, realizando-se o planejamento do tráfego de forma completamente separada da produção de habitação.

        Mesmo que estando constituindo-se na Holanda, desde os anos 50, como foi apontada, uma crítica a este desenho de cidade, a esta forma de se constituir tecidos habitacionais urbanos, Bijlmermeer é uma demonstração do pensamento funcionalista: pelas críticas que recebeu, pelos problemas sociais que enfrenta acabou tornando-se um anti-modelo de núcleo habitacional.


Fonte: Lizete Maria Rubano - Tecidos Habitacionais em Amsterdã 
http://www.docomomo.org.br/seminario%203%20pdfs/subtema_A4F/Lizete_rubano.pdf

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